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Pr. Nerivan Silva[]

Introdução: Gênesis é o livro das origens. Suas narrativas descrevem o início da história do homem, das sociedades e das famílias. Muitos dos relatos de Gênesis ocorreram na cultura sumeriana. A Suméria, geralmente considerada a civilização mais antiga da humanidade, se localizava na parte sul da Mesopotâmia, apropriadamente posicionada em terrenos conhecidos por sua fertilidade, entre os rios Tigre e Eufrates.
Evidências arqueológicas datam o início da civilização suméria em meados do quarto milênio a.C. Duas importantes criações atribuídas aos sumérios são a escrita cuneiforme, que provavelmente antecede todas as outras formas de escrita, tendo sido originalmente usada por volta de 3500 a.C.; e as cidades-estado – a mais conhecida delas sendo, provavelmente, a cidade de Ur, construída por Ur-Nammu, fundador da terceira dinastia Ur, por volta de 2000 a.C. Abraão vivia ali quando Deus o chamou e lhe fez promessas (Cf. Gn 11:28-31; At 7:2-4).


A vida e a família dos patriarcas da Bíblia refletem de maneira acentuada a cultura sumeriana. A poligamia era um dos costumes culturais predominantes. Mesmo centenas de anos depois, teria sido muito melhor se Jacó houvesse seguido aquele primeiro exemplo típico do Éden: um marido, uma esposa. E ninguém mais. Esse foi o modelo ideal para todos os lares, para todos os tempos.


A origem de um desastre familiar Nós, cristãos modernos, vivemos numa conjuntura social em que regras e práticas em todos os sentidos se tornam o padrão de vida que todos devem adotar. Isso envolve escolhas e decisões de cada indivíduo. De fato, a vida, em seus vários segmentos, é resultado de decisões que tomamos diariamente. A família tem início quando um homem e uma mulher decidem se casar. Com esse ato, eles estabelecem os critérios que nortearão sua família, principalmente, quando os filhos chegarem.


O círculo familiar tem grande alcance na vida do ser humano. Esse convívio é tão importante que sua influência prossegue até quando os filhos deixam o lar, onde nasceram e cresceram, para constituir suas famílias no futuro. Daí a necessidade de decisões sábias. O livro de Gênesis relata os altos e baixos na história familiar dos patriarcas (Gn 12-37). Eles viveram num tempo e cultura em que a poligamia era permitida. Isso era contrário à vontade divina (Cf. Êx 20). Essa prática negava o princípio monogâmico de marido e esposa se constituírem numa só carne (Cf. Gn 2:24). Consequentemente, sérios problemas conjugais infelicitaram muitas famílias. Jacó viveu essa realidade.


“Os resultados da poligamia foram manifestos na casa. Esse mal terrível tende a secar as próprias fontes do amor, e sua influência enfraquece os laços mais sagrados. O ciúme das várias mães havia amargurado a relação da família. Os filhos cresceram contenciosos e sem a devida sujeição. A vida do pai se obscureceu pela ansiedade e dor (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 208, 209). É bem verdade que, como filhos de Deus, devemos nos adequar, até onde é possível, aos critérios da sociedade em que estamos inseridos (Rm 12:18). Porém, em todos os tempos e culturas o povo de Deus deve se harmonizar primeiramente com Sua lei (Cf. At 5:29).



Para reflexão:

1. Você tem consciência de que suas decisões afetarão sua vida a curto, médio e longo prazo?

2. Sobre que base suas decisões têm sido tomadas?



José e seus irmãos Um dito muito popular entre as famílias é que os filhos, independentemente do número, são diferentes. É verdade. Mas, por outro lado, a despeito de suas diferenças, todos eles refletem o ambiente e filosofia educacional em que foram criados. A convivência dos filhos entre si demonstra se a educação que tiveram foi agregadora ou desagregadora. O favoritismo, com roupagem de carinho e amor paternos, que Jacó demonstrou a José em detrimento dos demais filhos foi responsável pela construção de uma forte muralha no seio da família. “Mas mesmo essa afeição deveria se tornar causa de perturbações e tristezas. Jacó imprudentemente manifestou sua preferência por José, e isso provocou a inveja dos outros filhos” (Patriarcas e Profetas, p. 91).


O dicionário Aurélio define favoritismo como preferência dada a favorito e proteção com parcialidade. Numa família, com certo número de filhos, isso é uma tragédia. Três fatores são evidentes nessa história:


1. O relacionamento familiar ficou seriamente comprometido pelas incompreensões, mágoas, críticas, sentimento de culpa e um clima acentuado de competição dentro do lar.
2. Os traços de caráter dos irmãos de José vieram à tona. Nesse momento, o inimaginável começou a acontecer: Aqueles jovens passaram a ser agressivos, a ter ciúmes, a ter disposição para o ódio e vingança. Faltava apenas a oportunidade para a execução de tudo isso.
3. A falta de tato e maturidade de José é claramente perceptível. O tato é uma qualidade essencial para um relacionamento humano adequado.


Nesse sentido, tato significa prudência, cautela, habilidade, jeito, capacidade” (Dicionário BARSA da Língua Portuguesa, p. 1008). Ellen White acrescenta: “As palavras pungentes, insultantes, que seus aflitos rogos encontraram, estavam a soar-lhe nos ouvidos. Com o coração a tremer olhou para o futuro. Que mudança na situação – de um filho ternamente acalentado para o escravo desprezado e desamparado! Só e sem amigos, qual seria sua sorte na terra estranha a que ele ia? Por algum tempo, José se entregou a uma dor e pesar incontidos.


“Mas, na providência de Deus, mesmo essa experiência seria uma bênção para ele. Aprendeu em poucas horas o que de outra maneira os anos não lhe poderiam ter ensinado. Seu pai, forte e terno como havia sido seu amor, fizera-lhe mal com sua parcialidade e indulgência. Essa preferência imprudente havia encolerizado seus irmãos e os incitara à ação cruel que o havia separado de seu lar. Os efeitos dessa preferência eram também manifestos em seu caráter. Defeitos haviam sido acariciados, que agora deveriam ser corrigidos. Ele se estava tornando cheio de si e exigente. Acostumado à ternura dos cuidados de seu pai, viu que não se achava preparado para competir com as dificuldades que diante dele estavam na vida amarga e desconsiderada de estrangeiro e escravo” (Patriarcas e Profetas, p. 213).



Para reflexão:

1. De que maneira os pais, professores e líderes, em suas respectivas esferas de ação, podem evitar o favoritismo? Comente com sua classe.

2. Que recomendações você faria a alguém que (na família, na empresa, na igreja, etc.) é objeto de favoritismo?



A túnica de várias cores A casa de Jacó se tornou uma arena de rivalidade. Os irmãos de José tinham ciúme e ódio dele. Esses sentimentos são abstratos, porém, se manifestam através de coisas materiais como, por exemplo, uma pessoa, um objeto, um título acadêmico, uma função na empresa ou instituição, um projeto de trabalho, etc.


No caso de José, a túnica que ele ganhou de seu pai foi o hasteamento da bandeira da desunião, rivalidade e competição dentro do lar. Ela se constituía na expressão física ou material do favoritismo de seu pai (Cf. Gn 37:3). Era uma vestimenta especial. Esse presente dado a José correspondia ao afeto que Jacó tinha por ele, pois era o filho de sua velhice. O texto diz: “E fez-lhe uma túnica talar de mangas compridas” (Gn 37:3).


“O indiscreto presente do pai feito a José, de um manto, ou túnica, de grande preço, como a usavam comumente pessoas de distinção, pareceu-lhes outra prova de sua parcialidade, e provocou-lhes a suspeita de que ele pretendia preterir seus filhos mais velhos e conferir a primogenitura ao filho de Raquel” (Ellen White, Patriarcas e Profetas, 209).


“Nos tempos antigos, as cores e o comprimento de uma roupa tinham um significado político bem mais acentuado. Deduzimos, portanto, que ganhar uma vestimenta especial (provavelmente tingida de cores raras e enriquecida com adornos) foi uma mensagem para os irmãos de José. Significava que ele era o favorito de Jacó para ocupar a chefia do grupo após sua morte” (Rodrigo Silva, Escavando a Verdade, p. 83,84). A razão para isso era que “Israel amava mais a José que a todos os seus filhos” (Gn 37:3). Muitas vezes não imaginamos quais serão os resultados de atos imprudentes, ainda que realizados com boa intenção.


Para reflexão:

O que alguém é, ou possui, que lhe faz sentir ciúme e, até mesmo, ódio?



A túnica arrancada Após a entrada do pecado, o relacionamento humano se tornou atropelado e agressivo. Já no princípio da história, Caim assassinou Abel (Cf. Gn 4: 8-15). Esse relato é uma antecipação de como seria o relacionamento das pessoas, inclusive dentro da família. O ódio dos irmãos de José se intensificou de tal maneira que a convivência familiar se tornou inviável. A narrativa bíblica deixa transparecer que atos violentos ou mesmo a tentativa de homicídio eram uma questão de tempo e oportunidade. Em Gênesis 37:18, 19 é descrito o plano maléfico dos irmãos de José. Isso é reflexo do que se conhece hoje como violência doméstica.


Estudos demonstram que a violência doméstica atualmente é um problema gravíssimo no mundo. Ela se faz presente nos mais diversos lugares, inclusive em famílias que professam credos religiosos. Como igreja, “reconhecemos a extensão global desse problema e os sérios efeitos de vasto alcance na vida de todos os envolvidos. Cremos que os cristãos devem reagir contra o abuso e a violência tanto na igreja quanto na comunidade” (Declarações da Igreja, p. 8). A família de Jacó se tornou um exemplo contrário do que famílias cristãs devem ser. Princípios espirituais devem permear a atmosfera do lar. A cada dia, os filhos precisam ver no seio da família a prática de atos e atitudes nobres que os preparem para a vida. “O princípio presente na injunção ‘amai-vos cordialmente uns aos outros’ (Rm 12:10), está na base do próprio fundamento da felicidade doméstica.


A cortesia cristã deve reinar em todo lar. Custa pouco, mas tem poder para abrandar naturezas que, sem ela, se desenvolveriam ríspidas e rudes. O cultivo de uma cortesia uniforme, da disposição de fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem a nós, seria capaz de banir metade dos males da vida” (O Lar Adventista, p. 421).


A túnica era o ponto convergente do ódio e violência dos irmãos de José. Lemos: “Mas, logo que chegou José a seus irmãos, despiram-no da túnica” (Gn 37:23). Essa atitude caracterizou, de forma implícita, o despojamento do favoritismo conferido por Jacó e também a disposição de eliminar o favorito. Nesse contexto aprendemos que a túnica de José representava tudo o que ele era. Havia um contraste entre ele e seus irmãos. Na vida cristã, nossa profissão de fé deve ser fruto daquilo que somos. Cristo era o que ensinava e pregava. As pessoas verão em nós uma harmonia entre o que somos e o que professamos.


Para reflexão:

1. A antipatia manifestada contra alguém também está associada àquilo que ele possui.

2. Em sua opinião, como podemos administrar isso em nossa vida?

“A túnica de teu filho” Gênesis 37:26-36 descreve como os irmãos de José se livraram dele e o procedimento adotado para explicar tudo a Jacó. Inicialmente, o plano deles era matar o irmão (Cf. Gn 37:18, 20). Charles Swindoll comenta: “Esse é o momento oportuno para indicar que a mistura de paternidade passiva com o ambiente familiar hostil resulta em consequências incontroláveis. A essa altura, os irmãos tinham um crime em mente” (José – um Homem Íntegro e Indulgente, p. 30). Essa conspiração fracassou mediante a intervenção de Rúben, irmão mais velho. (Cf. Gn 37:21, 22).


Aqui entra a providência divina e o início do cumprimento do propósito de Deus não só para José, mas para Seu povo no futuro. Ele mesmo, quando se deu a conhecer aos seus irmãos, anos mais tarde, no Egito confessou: “Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na Terra e para vos preservar a vida por um grande livramento. Assim, não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus” (Gn 45:7, 8). Mesmo com o fracasso do plano inicial, a morte de José foi simulada e qual seria a prova? A túnica talar de mangas compridas (Cf. Gn 37:31-33). No contexto dessa história, a frase “a túnica de teu filho” é repleta de significado.


1. Duplicidade. Para José, ela representava o carinho e amor do pai. Para seus irmãos, era o símbolo da discriminação e posição de inferioridade que eles ocupavam em relação a José. Portanto, para eles, ela devia ser removida (Cf. Gn 37:23).
2. Negação de identidade. Quando eles mandaram para Jacó a túnica salpicada de sangue, disseram: “Achamos isto; vê se é ou não a túnica de teu filho” (Gn 37:32). Eles não disseram: “vê se é ou não a túnica do nosso irmão”, mas de “teu filho”. Com isso eles negaram o relacionamento com José. Eles não o tinham como irmão.


De forma implícita, eles também puseram em jogo sua identidade com Jacó. No Novo Testamento, a parábola do filho pródigo deixa transparecer um contexto semelhante. Quando o filho mais velho questiona o pai sobre o banquete oferecido em comemoração ao retorno do pródigo, ele diz: “Há tantos anos que te sirvo sem jamais transgredir uma ordem tua ... vindo, porém, esse teu filho que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado” (Lc 15:29, 30). Esses eventos revelam até onde vai a influência negativa de uma educação protecionista e uma família governada pela frouxidão.


Ellen White afirma: “Muitos filhos se erguerão no juízo e condenarão os pais por não os haverem reprimido, e os acusarão por serem destruídos. A falsa compaixão e o amor cego dos pais fazem com que eles desculpem as faltas dos filhos, passando-as sem correção, e os filhos se perdem em consequência disso. O sangue deles recairá sobre os pais infiéis. Os filhos que são assim criados sem disciplina, têm tudo a aprender quando professam ser seguidores de Cristo” (Testemunhos Seletos, v. 1 p. 77, 78). O milagre dessa história é que Deus, em Sua infinita graça e poder, transformou em bem todo o mal planejado, embora os personagens envolvidos sofressem os resultados dessas más práticas.


Para reflexão: Em sua opinião, o que é necessário para se criar uma atmosfera de amor e paz no seio familiar?


Conclusão: Esta é a história de Jacó e sua família. Poderia ter sido bem diferente do que foi, caso as decisões e escolhas tivessem sido outras. Paulo diz: “Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado” (1Co 10:11).


A vida familiar em muitos lares tem sido uma lástima, causando alto índice de violência doméstica nos aspectos físico e psicológico. Entretanto, se nós, pela graça de Deus, buscarmos sabedoria para tomarmos decisões coerentes e procurarmos proceder com equilíbrio em nossa vida familiar, um novo horizonte despontará para nós. Pois, “se todos os que professam crer na verdade lançassem a semente preciosa da bondade e do amor, da fé e da coragem, em seu peregrinar ascendente, louvariam ao Senhor em seu coração e se regozijariam nos raios resplandecentes do sol da justiça, recebendo no grande dia da ceifa uma eterna recompensa” (Ellen White, Testemunhos Seletos, v. 2, p. 139).




Pr. Nerivan Silva é mestre em Teologia Bíblica, graduado e pós-graduado em Educação. Atualmente é Editor associado na Casa Publicadora Brasileira.

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